O Território Kalunga, localizado nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre, é sinônimo de resistência. E no dia 20 de novembro, data em que o país se lembra do aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, líder da resistência negra no século 17, essas comunidades celebram não somente o Dia ou o Mês da Consciência Negra, mas expressam diversas celebrações religiosas e culturais no decorrer de novembro. Com mais de 300 anos de luta, história e resistência, o território Kalunga se prepara para celebrar este momento tão importante para a população afrodescendente e para a história do país.
Muitas dificuldades enfrentadas pelo povo Kalunga já foram superadas. No passado, até mesmo para estudar, era necessário que crianças, jovens e adolescentes deixassem o território, e tinham que ir até a cidade para viver de favores em casas de outras pessoas. Eles trabalhavam e, no tempo livre, poderiam frequentar as escolas, mas a maioria da população quilombola não tinham acesso à educação, e grande parte da comunidade não sabia ler e nem escrever. As viagens eram longas e difíceis, e a vida no campo era marcada pela simplicidade. Para comercializar seus produtos, como arroz, feijão e milho, os Kalungas percorriam longas distâncias a pé ou montados em animais pela mata, pois não havia estradas.
Hoje, a realidade é outra. Com o desenvolvimento do turismo de base comunitária, o território se tornou uma importante fonte de renda para a população local. As belezas naturais da região, com suas trilhas e cachoeiras, atraem visitantes de todo o Brasil e do exterior. O turismo sustentável praticado pelos Kalungas contribui para a preservação do meio ambiente e para o fortalecimento da identidade cultural da comunidade. Nesse espaço, é possível entrar em contato com a história, a cultura e a resistência do povo Kalunga, e adquirir produtos artesanais como lembrança.
A atuação do Sebrae Goiás na região do Território Kalunga busca fortalecer o desenvolvimento sustentável e as iniciativas empreendedoras locais. Por meio do Programa Turismo 4.0, por exemplo, a instituição promove a valorização dos recursos naturais e culturais da região, ajudando a consolidar o turismo de base comunitária, que atrai visitantes nacionais e internacionais para experiências autênticas e sustentáveis, como trilhas e cachoeiras.
Além disso, o Sebrae apoia o fortalecimento de pequenos negócios locais, para a geração de renda e para preservar o patrimônio cultural e ambiental do território. No âmbito do Programa Líder (Liderança para o Desenvolvimento Regional), o projeto Território Empreendedor incentiva a articulação entre lideranças e instituições para um planejamento regional integrado. Isso promove uma economia mais colaborativa e inovadora que beneficia as comunidades quilombolas e reforça a identidade cultural do povo Kalunga.
A celebração e a importância do território
Marta Kalunga, fundadora da Casa Memória da Mulher Kalunga, ressalta que em Cavalcante eles celebram a data de um jeito especial. “A gente organiza desfiles, oficinas e outras atividades. A Casa da Memória e a Secretaria de Igualdade Racial também participam. Nós usamos pinturas corporais e roupas temáticas para celebrar nossa ancestralidade africana, temos um dia dedicado a nós, e no qual reconhecemos quem somos”, comenta. Marta acredita que o Dia da Consciência Negra é uma forma de as pessoas verem os quilombolas e os respeitarem. “Precisamos dizer que temos a mesma importância nessa história. Todos os dias são nossos. Afinal, o Brasil foi construído em grande parte pelas mãos negras”, aponta.
A fundadora conta que ela foi criada sem saber o que é o Dia da Consciência Negra. Ainda que exista a fé e admiração pelos mais velhos, segundo Marta em muitas comunidades as pessoas ainda não entendem a importância dessa celebração. “O Dia da Consciência Negra é fundamental para que nos reconheçamos e celebremos nossa história”, pondera.
A líder comunitária Dominga Natália Moreira dos Santos destaca a importância do Dia da Consciência Negra para o povo negro e para a comunidade. Ela lembra que os Kalungas são descendentes de povos escravizados que conseguiram resistir à opressão e construir uma nova vida no território há mais de 300 anos. “A gente é resistência como pessoas quilombolas negras no Brasil. Então nós representamos essa resistência ainda até os dias atuais. Foi aqui no Território Kalunga, onde nós nos sentíamos livres e onde o nosso povo de fato alcançou a liberdade. É o nosso Paraíso”, ressalta.
Adriano Paulino, presidente da Associação Kalunga Comunitária do Engenho II, reforça essa mensagem. “Nossa terra e nossa cultura constituem a nossa maior riqueza. É a nossa história, de nossos antepassados e a luta que nos trouxe até aqui, permitindo-nos permanecer até hoje nesta terra abençoada, a terra do povo Kalunga. Esse é o nosso maior tesouro”, conclui.
Mistura de culturas
A comunidade quilombola mantém viva uma rica tradição que mescla elementos de religiões africanas com o catolicismo. A dança da Sussa, de origem ancestral, é um dos destaques das celebrações, e representa gratidão e pedidos de bênçãos. Já as festividades como a folia de reis e o festejo de São Sebastião marcam o calendário anual e reforçam os laços comunitários.
De origem provavelmente da Bahia, os Kalungas se espalharam pelo território goiano como forma de resistir à escravidão. Atualmente, os quilombolas celebram a Consciência Negra com uma série de eventos que reúnem música, dança, teatro e esportes, o que fortalece a identidade negra e promove a união entre as comunidades.
Dominga, que também é professora no quilombo, diz que eles não comemoram somente o dia 20, mas todo o mês de novembro. É o mês em que celebram a resistência negra. Então, esse mês de novembro é um momento especial para eles, no qual se reúnem para celebrar através de danças como a sussa e também em cerimônias e celebrações religiosas, sempre levando em conta e consideração desse momento de grande importância. Não somente para a comunidade do Engenho, mas para todas as comunidades quilombolas kalungas existentes nos três municípios: Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre.
A líder comunitária finaliza recitando um verso de sua autoria, no qual enaltece a força e a resistência preta. Pois no dia 20 de novembro e no decorrer de todo esse mês, a população tem muito a celebrar, segundo Dominga.
Viajante no tempo
Quem sou?
Sou o fruto, a pedra, a flor da semente daquela gente que há muito tempo nas correntes os direitos os tirou. Filha de guerreira e de lutador, eles que me ensinaram que até uma palha seca, mesmo na chuva tem seu valor.
Venho de lá onde o preto é mais que cor. E até isso tentaram nos tirar, com a ideia de branqueamento para o Brasil clarear.
Sou filha de pretos que arrancaram de lá e com educação posso mostrar, viemos pra ficar!
Dominga Rosa.
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